DOS ANJOS LIMPANDO GALINHA VELHA: BELEZA DAS ENTRANHAS



Apresento a vocês, caros leitores, uma de minhas melhores amigas do sertão do Fanado, a Dos Anjos. 


Foi a primeira ceramista que conheci na região, em julho de 1996. O pai dela, Seu Américo, que depois eu aprenderia a admirar como poucos, nas visitas que fiz à família pelas duas décadas seguintes, sujeito amoroso zen sem igual, falecido poucos anos atrás, estava frequentando a feira de sábado da cidade quando nos conhecemos. Tivemos um dedo de prosa, a simpatia recíproca foi imediata, no mesmo dia ele me convidou a ir com ele à comunidade de Cachoeira, onde nasceu e se criou e, claro, aceitei de pronto. Pegamos carona na carroceria de uma caminhonete e tivemos ali mesmo uma conversa bem humorada e produtiva que, mal sabíamos, inaugurava uma longa série.


Nessa foto de 2002 o bom companheiro aparece fazendo para minha câmera uma demonstração de como funcionava uma relíquia da cozinha dos tropeiros que possuía em casa. Uns quinze anos depois, após sua morte, Dos Anjos me presenteou com a antiguidade:


Pai e filha possuíam idêntica personalidade: diligentes, acolhedores, concretos, resumidos e muito caprichosos em tudo o que faziam, deu para perceber desde a primeira visita. 

Os potes e panelas de Dos Anjos, de formato e tamanho muito variados, são os mais finos e bem acabados que já vi em todo o Vale do Jequitinhonha. 



A roça de Américo jamais era tomada pelo mato. Todo ano era de praxe fazermos juntos a checagem do estado do milho, feijão, andu, mandioca, cana, tudo filmado, fotografado e bem conversado. Foi o único lavrador que conheci capaz de dar até três capinas no roçado, uma questão de honra. 

No último mês de janeiro, fiz fotos e filmagens sensacionais de Dos Anjos estripando duas galinhas caipiras velhas que foram encomendadas por uma senhora de Minas Novas. Levaria no outro dia quando fosse vender seus produtos na feira de sábado. Trinta reais cada uma. É o que cobram pelo animal vivo mas ela entrega abatido e limpo nos mínimos detalhes. Conta que essa senhora e os filhos gostam do bicho mesmo velho porque, embora a carne seja mais dura, possui muita gordura. 


A vida é cheia de surpresas. Como poderia imaginar que  apareceriam assim tão belas, na fotografia, as entranhas da galinha esparramadas no fundo da bacia de metal, dentro de um suco de sangue diluído em água que ficou vermelho goiaba? 


Os gatos ficaram com o que os humanos, dos buchos, não comem. 


A cabeça foi lançada no quintal. Ficou partida ao meio de través e caiu assim no solo revirada para cima. Uma hora depois eu a fotografo. Um enxame de formigas carnívoras a infesta, talvez em busca do ferro que está no sangue, já que desprezam os restos das tripas esbranquiçadas que os gatos deixaram para trás após se fartarem.


Ciclos, reciclos.

Comentários

  1. As fotos ficaram mesmo incríveis! Deu um pertinho nostálgico lembrar de S. Américo! Pura poesia!

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