PRESENTES DO PASSADO
OBS: PARA QUEM ACESSAR O ÁUDIO POR CELULAR, RECOMENDAMOS CLICAR EM "OUVIR NO NAVEGADOR" POIS A OPÇÃO PERMITE OUVIR A NARRAÇÃO E AO MESMO TEMPO LER O TEXTO.
Depois de mais de duas décadas perambulando por todo o Jequitinhonha, terminei concentrando minhas pesquisas nas terras altas dos formadores do Araçuaí, região de chapadas extensas e vales profundos em que brotam e serpenteiam as águas, a cada ano mais escassas, das veredas, riachos e pequenos rios tais como o Itamarandiba, o Fanado, o Capivari e o Setúbal.
Os cursos d'água dessa zona de nascentes sofrem, a partir de meados dos anos mil novecentos e setenta, um grande impacto devido ao cultivo, nas cabeceiras, de uma das maiores florestas contínuas de eucaliptos do mundo, plantadas, à época, e manejadas, por muitos anos, pela empresa Acesita Florestal, braço monocultor da indústria siderúrgica pesada da região de Ipatinga, não muito distante dali, no vale do Rio Doce.
Hoje o quadro é mais complexo, a Acesita passou a tarefa para um jogo intrincado de empresas e consórcios que vão se sucedendo. Além disso, foram aparecendo produtores individuais de eucaliptos que agora destinam a madeira para outras atividades além da siderurgia.
Hoje o quadro é mais complexo, a Acesita passou a tarefa para um jogo intrincado de empresas e consórcios que vão se sucedendo. Além disso, foram aparecendo produtores individuais de eucaliptos que agora destinam a madeira para outras atividades além da siderurgia.
A sequência de fotos abaixo deixa patente o contraste entre a ocupação agroindustrial das chapadas e a colonização sertaneja tradicional do vale adjacente do rio Fanado, tributário do Araçuaí que cai no Jequitinhonha.
1. Quadra de eucaliptos, próximo à comunidade de Coqueiro Campo, semanas após a passagem de um incêndio:
2. Parte das casas que compõem a comunidade de Tião do Doce, com a linha dos eucaliptos se destacando no alto, distante, do outro lado do vale do rio.
3. Enquanto em certas quadras delimitadas por aceiros e estradas, os chamados "talhões", as árvores são derrubadas e retalhadas, em outras, apressuradamente, em ritmo industrial, as mais jovens vão chegando ao ponto de abate:
4. O povoado de Santa Rita, às margens do Araçuaí, quatro quilômetros abaixo da embocadura do Fanado:
5. A linha e a reta, o movimento e o estático, a cor e o monocromático:
6. A seguir temos duas vistas da singela morada de adobe de Seu Francisco que se desfaz um pouco a cada ano. Avistamos, ao longe, na segunda foto, os eucaliptos das imediações do povoado do Buriti. Após uma ou duas derrubadas, eles rebrotaram e reapareceram, anos mais tarde, acima da linha da linda mata original que envolve a nascente do Palmital, riachinho há muito privado de corrente contínua. Por falar nisso, identificamos outras mudanças de corrente, típicas do país que é construção e já é ruína. Antes de começar a decair, a casa chegou a receber um poste com linha e relógio medidor de eletricidade:
Muitos velhos sertanejos alegam que a redução do volume das águas se deu a partir da instalação da gigantesca monocultura, sem falar nas áreas virgens do cerradão primário das chapadas que foram inteiramente tomadas pelo labirinto de colunas de eucalipto, territórios desde sempre pouco explorados, pr'aonde antes o camponês que mora nos vales subia para caçar, recolher mel, plantas, cascas e raízes medicinais, fibras e lianas para uso artesanal, frutos preciosos como o pequi, lenha para fins diversos, fazer comida e assar quitanda, torrar farinha, ferver garapa para produzir cachaça e rapadura, queimar cerâmica. Por gerações, também foi criado, a solta, nas vastidões da savana, o gadin pé duro local.
As imagens que se seguem foram feitas em leilões de bois, porcos, cabritos e galinhas vivas promovidos para financiar as festas de São Sebastião da comunidade de Poço d'Água.
A primeira demonstra como o gado bovino tradicional vem sofrendo, nos últimos tempos, muita mistura.
Aos poucos também vai desaparecendo a raça branco-parda de pequenos e resistentes cavalos que por anos vi sendo utilizada no cotidiano e nos giros da fulia.
Já os porcos diminutos, muito rudes, de fucin de caititu, ainda são vistos com frequência nos leilões e nas feirinhas caboclas da região, pois o bicho tem um gosto robusto peculiar que continua muito apreciado pelo povo da roça.
O que me interessa destacar é o modo notável como a vida tradicional das comunidades rurais dos últimos sertões do Jequitinhonha se mantém de pé e ainda vitalizada, em muitos sentidos, até nossos dias, apesar das inúmeras e cada vez mais profundas influências da sociedade envolvente, capitalista, industrial, urbana, mecânica, tecnológica e eletrodomesticada.
Tal poder espontâneo de resistência da tradição e da gente nativa ao novo e degradante meio cultural, que gosto de chamar de a baixa modernidade, vai ser destaque ao longo dessas postagens.
No post de hoje selecionei para contar o que ouvi e vivi, recentemente, na região do povoado de Vargem do Setúbal, em comparação a outras áreas, para que todos façam uma primeira ideia da diversidade regional de cenários humanos e do jeito pitoresco como os valores, os modos de fazer e os hábitos estão cambiando, nos últimos tempos, nessas lonjuras, sem se perderem de todo.
No post de hoje selecionei para contar o que ouvi e vivi, recentemente, na região do povoado de Vargem do Setúbal, em comparação a outras áreas, para que todos façam uma primeira ideia da diversidade regional de cenários humanos e do jeito pitoresco como os valores, os modos de fazer e os hábitos estão cambiando, nos últimos tempos, nessas lonjuras, sem se perderem de todo.
O vale do Fanado foi colonizado, principalmente, por gente clara e muitas vezes loira, ou pelo menos assim aconteceu na área que pesquiso com mais profundidade entre Bem Posta, Lagoa Grande, ou Cachoeira, do lado norte, e, do outro, Vendinhas, Poço d´Água, Campo Alegre, Buriti, Coqueiro Campo, Terra Cavada e Inácio Félix, já às portas de Minas Novas.
A primeira das fotos seguintes nessa altura é antiga, de quando ainda estava viva a paneleira e bonequeira Dona Jacinta de Campo Alegre, que aparece aqui muito serena orgulhosa ao lado da penca de galegos seus netinhos. Hoje já cresceram e alguns talvez tenham filhos. O que será da boa amiga finada Jacinta, me pergunto, na memória de cada um desses meninos?
As outras imagens são de janeiros diversos, durante as folias de São Sebastião do Buriti, situado uma légua morro acima.
Algumas comunidades são muito brancas, outras mais morenas. Se há no âmbito do Fanado, como deve haver, alguma de maioria afrodescendente, ainda não a visitei. Percebi que a miscigenação se intensifica em certos pontos como os arredores de Bem Posta ou de Santa Rita, pouco abaixo da foz do rio, na medida em que os traços negros predominam em direção ao norte.
Nunca vi diferenças de tratamento, nesses lugares, entre membros de localidades de biotipo diverso. Quando muita gente se reúne nas festas ou feiras das cidades próximas, todos se reconhecem humildemente como o povo pobre da roça que são e se existem antipatias ou proximidades, comuns em qualquer ajuntamento humano, nesses sertões remanescentes elas se dão mais por contrastes de caráter e nunca, até onde eu possa saber, por conta meramente da cor da pele, da textura do cabelo ou qualquer outro traço físico característico das pessoas. Claro, sempre há enormes diferenças de opinião entre indivíduos, falo apenas por experiência, uma impressão geral.
Na verdade, percebo um cuidado da gente mais clara do Fanado em não chamar de negro algum conhecido de dentro ou de fora da comunidade e de igual condição. Dirão é um "sujeito moreno assim ou assado" ou "um tipo mais moreno", sei lá, usando algum trejeito que deixe entender ao interlocutor de que espécie de "moreno" estamos falando. É bastante curioso o fenômeno!
O leitor-ouvinte poderá pensar que os brancos estão usando de eufemismos para revelarem, ocultando, um preconceito inconfesso. Eu que vi tantas e tantas vezes a cena, sinceramente, acho que se trata mais de excesso de cuidado de quem não quer ferir os brios daqueles que, ocasionalmente, possam se sentir ofendidos com a palavra mais crua, ou seja, para mim é sinal de polidez entre pares que, na prática, se enxergam como iguais, humildes e dignos na pobreza.
A primeira das fotos seguintes nessa altura é antiga, de quando ainda estava viva a paneleira e bonequeira Dona Jacinta de Campo Alegre, que aparece aqui muito serena orgulhosa ao lado da penca de galegos seus netinhos. Hoje já cresceram e alguns talvez tenham filhos. O que será da boa amiga finada Jacinta, me pergunto, na memória de cada um desses meninos?
As outras imagens são de janeiros diversos, durante as folias de São Sebastião do Buriti, situado uma légua morro acima.
Algumas comunidades são muito brancas, outras mais morenas. Se há no âmbito do Fanado, como deve haver, alguma de maioria afrodescendente, ainda não a visitei. Percebi que a miscigenação se intensifica em certos pontos como os arredores de Bem Posta ou de Santa Rita, pouco abaixo da foz do rio, na medida em que os traços negros predominam em direção ao norte.
Nunca vi diferenças de tratamento, nesses lugares, entre membros de localidades de biotipo diverso. Quando muita gente se reúne nas festas ou feiras das cidades próximas, todos se reconhecem humildemente como o povo pobre da roça que são e se existem antipatias ou proximidades, comuns em qualquer ajuntamento humano, nesses sertões remanescentes elas se dão mais por contrastes de caráter e nunca, até onde eu possa saber, por conta meramente da cor da pele, da textura do cabelo ou qualquer outro traço físico característico das pessoas. Claro, sempre há enormes diferenças de opinião entre indivíduos, falo apenas por experiência, uma impressão geral.
Na verdade, percebo um cuidado da gente mais clara do Fanado em não chamar de negro algum conhecido de dentro ou de fora da comunidade e de igual condição. Dirão é um "sujeito moreno assim ou assado" ou "um tipo mais moreno", sei lá, usando algum trejeito que deixe entender ao interlocutor de que espécie de "moreno" estamos falando. É bastante curioso o fenômeno!
O leitor-ouvinte poderá pensar que os brancos estão usando de eufemismos para revelarem, ocultando, um preconceito inconfesso. Eu que vi tantas e tantas vezes a cena, sinceramente, acho que se trata mais de excesso de cuidado de quem não quer ferir os brios daqueles que, ocasionalmente, possam se sentir ofendidos com a palavra mais crua, ou seja, para mim é sinal de polidez entre pares que, na prática, se enxergam como iguais, humildes e dignos na pobreza.
Ao adentrarmos os municípios vizinhos de Jenipapo de Minas, Berilo e Chapada do Norte, veremos que os "morenos" se tornam quase onipresentes, como evidencia a seguinte foto, tirada durante um casamento na comunidade do Cuba, não muito longe da sede do município de Chapada de Norte. Um dia pretendo contar o causo dessa festa maravilhosa, cheia de lances inusitados.
Se ha formado un casamiento, todo cubierto de negro, negros novios y padrinos, negros cuñados y suegros, y el cura que los casó, era de los mismos negros...
https://youtu.be/MbtX0ExiUow
Se ha formado un casamiento, todo cubierto de negro, negros novios y padrinos, negros cuñados y suegros, y el cura que los casó, era de los mismos negros...
https://youtu.be/MbtX0ExiUow
Vargem do Setúbal é o ponto mais isolado das roças de Chapada do Norte que conheci, em região situada fora da área de influência direta das grandes plantações de eucalipto das nascentes.
Ao contrário de comunidades do Fanado que tenho pesquisado há muito, quase sempre entre dezembro e janeiro, época das chuvas e de grandes festividades, essas eu só visitei uma vez cada, a primeira, para o casamento, e a segunda, faz pouco mais de um ano, no tempo seco, para testemunhar uma folia do Divino das mais recatadas que girou, de dia, pelas grotas do assim simplesmente chamado Ribeirão da Cachoeira e uma festa junina que aconteceu, na noite anterior, no povoado próximo de Vargem do Setúbal.
As folias do Divino, em geral, se fazem no tempo das colheitas de abril, mas essa umazinha que flagrei no Ribeirão da Cachoeira passou em meados de junho, e como costuma acontecer no Divino nessas latitudes, os foliões, mestres e cantadores, não tecem as longas ladainhas de louvor à bandeira do santo, apenas esboçam uma reza pôca ou menos ainda, dispõem o emblema nas salas exíguas das casinholas e o desfilam pelos quintais para quem deseja se prostrar pra beijar ou roçar o pano bento e pronto, quase sem cerimônia, de volta pr' a estrada.
Agindo assim, percorrem um grupo maior de casas por não se deterem muito em cada uma, diferentemente dos giros de São Sebastião do Fanado, mais festivos, mais detidos nos pôsu, mais ébrios, mais poéticos, pátria nômade de menestréis rudes e sublimes que hei de ter o prazer de decantar na sequência semanal dessas páginas.
Agindo assim, percorrem um grupo maior de casas por não se deterem muito em cada uma, diferentemente dos giros de São Sebastião do Fanado, mais festivos, mais detidos nos pôsu, mais ébrios, mais poéticos, pátria nômade de menestréis rudes e sublimes que hei de ter o prazer de decantar na sequência semanal dessas páginas.
Em Santa Rita o povo não é beberrão como no Fanado mas o rito cristão de alma pagã não é menos empolgado, dá pra ver bem pela foto:
Vez por outra, uma procissão de folia pousa solenemente numa dada moradia onde dá de rezar o terço, como vemos nas seguintes imagens dessa passagem do Ribeirão da Cachoeira.
No vídeo que fiz, na ocasião, e está no link que compartilho abaixo, a menina, sentada solitária na cama do quarto, ao fundo, balbucia a Ave Maria, sem que possamos ouvir sua voz, abafada pela dos foliões.
Não me canso de repetir a cena, tentando desvendar o que se passa no espírito virginal da moleca sapeca em seu pequeno momento de fé, enquanto move os lábios mudos, bonita, ereta, correta, calma, concentradinha como se acaso um anjo fosse.
Não me canso de repetir a cena, tentando desvendar o que se passa no espírito virginal da moleca sapeca em seu pequeno momento de fé, enquanto move os lábios mudos, bonita, ereta, correta, calma, concentradinha como se acaso um anjo fosse.
As mãezinhas capricham no infêitu das trança.
Nesse mesmo belo dia, mais cedo, estou presente a uma roda de prosa das mães e tias dessas mesmas meninas, enquanto adornam cada qual sua boneca para a passagem do santificado carnaval. A maioria mal aparenta ter seus trinta anos de idade. Na conversa, que acompanho, de lado, sem interferir, elas avaliam a vida que levavam quando eram solteiras e mais soltas, e a consideram muito mais dura do que a vivida pelas moçoilas de hoje em dia.
Apesar disso, falam com orgulho de como esses tempos eram mais seguros, livres e alegres, quando se juntavam em bandos de amigas, irmãs e primas e iam a pé, exaltadas, tagarelando, fazendo troça, gargalhando pelas trilhas e estradas, ida e volta, no breu das madrugadas, pelos ermos das pirambeiras que levam aos lugarejos vizinhos, à caça de folguedo que no mais é o que não falta: folia, casório, festa de santo, domingada com leilão de mesa e toque de sanfona, comício político com pinga e churrasco liberô gerau, juntamento e exibição de cavalgada, pois tudo, enfim, no auge, termina em forró.
Apesar disso, falam com orgulho de como esses tempos eram mais seguros, livres e alegres, quando se juntavam em bandos de amigas, irmãs e primas e iam a pé, exaltadas, tagarelando, fazendo troça, gargalhando pelas trilhas e estradas, ida e volta, no breu das madrugadas, pelos ermos das pirambeiras que levam aos lugarejos vizinhos, à caça de folguedo que no mais é o que não falta: folia, casório, festa de santo, domingada com leilão de mesa e toque de sanfona, comício político com pinga e churrasco liberô gerau, juntamento e exibição de cavalgada, pois tudo, enfim, no auge, termina em forró.
Essas coisas ainda acontecem, todas, só que hoje em dia as trilhas centenárias estão sendo retalhadas por cercas de arame, mais e mais numerosas, o que vai conduzindo a maior parte do fluxo de animais e pessoas para as rodagi, que assim vão se multiplicando, de um modo que a caboclada se move a cada dia menos a pé ou montada a cavalo e mais de automóvel e, sobretudo, motocicleta.
A pequena aventura da juventude de agora ainda tem seu lugar, mas por outros meios, quiçá mais práticos, porém mais perigosos e, talvez, em substância, menos divertidos.
A pequena aventura da juventude de agora ainda tem seu lugar, mas por outros meios, quiçá mais práticos, porém mais perigosos e, talvez, em substância, menos divertidos.
Em certo ponto da vibrante conversação, uma das mulheres surge com a pedra preciosa, das que fazem esse garimpo meu valer a pena: “ox' mas as pób' coitada nem sabia o que era creme de pele inhantes! Tomava banho e depois era um tal de untar o corpo com óleo de soja, Deeus me perdoe! Daí que antes de entrar no povoado, a turma precisava descer lá embaixo no riacho, porque a poeira que os pé levanta no caminho, mó du ói, gruda nas canela da gente!”
E dá-lhe gargalhada!, que delícia!, como faz bem rir de si mesmo, não!?
É muito comum, em minhas jornadas pelo sertão, trombar com esse tipo de testemunho que tem por lema o orgulho de ser capiau. Gostam de tirar o assunto da manga diante de minha eminente presença burguesa e eu gosto de servir de escudo do argumento e até alvo da sutil zombaria, pois todos sabemos, fica claro pela aparência, quando não pelo toque de seda de minha mão, ao cumprimentar, que nunca passei pela décima parte de suas dificuldades de sobrevivência e, logo, sou um fraco e mereço ser o foco das indiretas jocosas.
A ideia é mais ou menos a seguinte: “os tempos já foram difíceis demais em vista das poucas comodidades modernas que, a duras penas, conquistamos, mas as circunstâncias das relações humanas, num passado não muito distante, eram mais robustas, mais dinâmicas e dinamizadoras do que todavia ainda são, você mesmo, meu caro, está vendo, portanto, não temos nada do que reclamar, em comparação, sacou?”
A ideia é mais ou menos a seguinte: “os tempos já foram difíceis demais em vista das poucas comodidades modernas que, a duras penas, conquistamos, mas as circunstâncias das relações humanas, num passado não muito distante, eram mais robustas, mais dinâmicas e dinamizadoras do que todavia ainda são, você mesmo, meu caro, está vendo, portanto, não temos nada do que reclamar, em comparação, sacou?”
Apesar da potência da máquina e do conforto dos estofados, nada pôde impedir que erguêssemos, com os pneus do Novo Uno, uma poeirada medonha entre o Ribeirão e a Vargem. Era o tempo da seca e nas grimpas mais abruptas é de todo necessário tomar o embalo certo e descer a ripa sem dó nem piedade, caso contrário, vamos ficar estacados a meio morro, literalmente, derrapando em grossa camada de poeira multicolor.
Ao fim e ao cabo, sempre vale a pena! Dessa vez eu ando com amigos nativos que fiz na cidade, meus guias de roteiro e professores de molecagem. Assim acolhido pela banda de família sabida festeira, a curiosidade da gente da Vargem fica aplacada, todos dão a si mesmos, quem sabe, a explicação que está mais à mão, de que se trata de algum parente ou companheiro distante do pessoal do Ribeirão que prosperou nas terras ricas do sul e resolveu dar as caras. É raro, mas acontece.
Faz um friozinho até bem que bão e uma fogueira, que descarece de ser grande, arde bela e bastante no centro da rua principal. Nunca deixa de me surpreender esse senso social de sobriedade no uso das palavras, gestos, afetos e meios disponíveis! Veículo nenhum é suposto passar àquelas horas, lei orgânica, e o povo local vem em peso para fora fazer roda, assuntar, quentá fuguêra. A sensação mesmo que se tem é que estamos todos na sala de estar de uma grande taba acolhedora, simplesmente delicioso um pouco mais que nada.
Faz um friozinho até bem que bão e uma fogueira, que descarece de ser grande, arde bela e bastante no centro da rua principal. Nunca deixa de me surpreender esse senso social de sobriedade no uso das palavras, gestos, afetos e meios disponíveis! Veículo nenhum é suposto passar àquelas horas, lei orgânica, e o povo local vem em peso para fora fazer roda, assuntar, quentá fuguêra. A sensação mesmo que se tem é que estamos todos na sala de estar de uma grande taba acolhedora, simplesmente delicioso um pouco mais que nada.
Nesse clima ameno, cotidiano, ligeiramente excitado, como não?, e com nossas melhores roupas, se possível, crianças, jovens, adultos, velhos, tudo misturado, esperamos com gosto e paciência natural que a noite avance até que tem início o ponto alto do evento, o teatrinho do Jeca Tatú e, em seguida, a quadrilha forte da criançada.
Nunca tinha visto em toda minha vida uma quadrilha mais natural, mais crua e sincera e nem por isso menos vigorosa! Algumas fotos opacas que parecem pinturas impressionistas e tomadinhas de vídeo que fiz então com meu celular são o presente desse passado que reparto com todos vocês, por despedida, na esperança de que a singeleza dessas imagens transmita algo do modo como, nessas distâncias nem assim tão remotas, surpreendentemente, a tradição ainda segue sendo encenada em sua forma de origem, artesã espontânea, tão apenas brincante e comum comunal.
Muito massa! Você narra de uma forma parecida com a do Neruda ao ler seus poemas.
ResponderExcluirEspero um dia ir na festa do Divino também.
Assim também espero primo sobrinho
Excluir